sexta-feira, 17 de abril de 2015

Guião do filme do Bairro



Guião para Filme

David Santos
Kevin Ferreira
Leonor Carvalho
Patrícia Quitéria

Bairro de São Bento

Cena 1
(Fundo negro, apenas com o som da água a correr por trás. Lentamente surge a imagem da água ondulada da fonte. Veem-se reflexos dos de edifícios em volta, os objetos que existem dentro da fonte e os peixes. Narrativa em voz off.)
Nós - “Chego. Escolho um banco e sento-me. É me indiferente qual, mas para aqueles que estão cá todos os dias a ver o tempo passar, o sítio é sempre o mesmo. Reparo nos seus rostos, que estão cá desde cedo, inexpressivos, estáticos e pensativos. Na verdade, esta é uma Praça igual às outras: algumas crianças, muitos velhos, canteiros, bancos, árvores, uma fonte igual à dos outros bairros. Não percebo porque é que já várias pessoas passaram por ela, só para olhar lá para dentro. Já tinha reparado nisso das outras vezes, mas nunca me tinha interrogado. Pensei que seriam apenas moedas. A curiosidade é maior. Levanto-me do banco e vou espreitar. Eu sou apenas um visitante, e reparei nos 3 pequeninos peixes que andam de um lado para o outro. São minúsculos…. Diria quase insignificantes. Mas são o centro das atenções e a alegria da Praça. Gente de todas as idades aproxima-se para os procurar. Acham-lhes piada. Estranho, nunca tinha reparado neles antes.”

(Termina com a imagem do repuxo, ampliando para a Vista geral da Praça. Vê-se o banco de jardim vazio da D. Gini, bem como as outras pessoas que frequentam o espaço. D. Gini ainda não chegou à Praça.)
(Início do monólogo no banco de jardim. O olhar começa no chão, em direção aos pés da senhora e a partir daí, captando outros apontamentos do corpo que sugerem a sua presença.)

D. Gini – Venho cá todos os dias de manhã. Gosto de vir para este banco. Já gostei mais, agora isto está mudado. Dantes não vinham cá tantas pessoas de fora. Agora vêm cá, passam pela fonte e vão se embora. Já eu fico cá de manhã e depois a seguir ao almoço venho para a Praça outra vez.
À tarde, aparece aí o Sr. Simões que se senta naquele banco ali da frente. Mas eu, modéstia à parte, sou a pessoa que fica cá mais tempo. Enquanto os outros passam pela fonte e vão-se embora. Vejo muita coisa durante o dia, enquanto os outros só veem os peixes.

Cena 2
(Surgem pessoas a interagir com a fonte (molham as mãos, refrescam-se e as crianças brincam com a água) e a procurar os peixes. A câmara capta outras pessoas presentes na praça e que comentam a vida do bairro, referindo-se à D. Gini. A sua presença é sugerida do mesmo modo que a da D. Gini: apontamentos do corpo.)
Sr. Simões – Isto agora está bom é para os reformados… Amigos da velha guarda! Gosto muito de vir à Praça. É um local de encontro do pessoal mais idoso. Normalmente, venho sempre para este banco, porque os pombos não vêm muito para esta árvore. É preciso ter cuidado com eles, nunca se sabe… Esta praça já teve melhores dias, dantes havia uns bancos de pedra que agora estão nas janelas verdes. Mas estes de madeira também não são maus. É um espaço bem frequentado. Passo cá muito tempo e gosto.
Aquela senhora ali da frente, passa cá mais tempo que eu, muito calada… Mas eu não tenho a vida dela. Vem para a Praça toda empertigada…. Até o nariz chega às folhas das árvores… Ela senta-se aí, não faz mais nada, às vezes olha tanto para as pessoas que passam, que até deve querer que olhem para ela… Enquanto não tenho ninguém para conversar, ponho-me a ler o jornal. Há aí muitos espalhados pelos bancos de manhã. É isso ou ver os peixes dentro da fonte. É o que também dá vida à Praça. E são bonitos! Existem uns amarelos, muito engraçados. Toda a gente que aqui passa, lhes acha piada.

Cena 3
(D. Gini faz o seu percurso desde a sua casa no Pátio até à Praça das Flores. No Pátio dá-se especial atenção à pintura dos peixes que os seus vizinhos fizeram à entrada. Vai descrevendo o ambiente, as lojas, as pessoas, etc, à medida que vai subindo.)
D. Gini – Moro aqui há muitos anos com o meu marido. É um Pátio simpático. Faz este ano 100 anos… Conheço bem os meus vizinhos, damos-mos todos bem aqui. / Um dia eles decidiram fazer esta pintura na parede com peixes… Podiam ter pintado uma coisa mais bonita. Já não me bastava aqueles que estão na Praça, agora tenho de ver isto todos os dias.
Hoje, existe muita gente que quer vir para cá viver ou abrir um negócio. O que está a dar por aqui são os cafés. Dantes eram mais as tabernas mas isto agora mudou… e temos os cafés para os chiques. Essa gente fina que pensa que é importante… e acham-se mais do que as pessoas que vivem cá desde sempre. Os deputados também sobem e descem muito esta rua. Esses ainda são os únicos que falam a uma pessoa, não tivessem eles o interesse de parecer simpáticos.
Os peixes são animais que não são para ser vistos. São alimento. As garoupas e o robalos esses interessam, mas nem toda a gente pensa assim. Talvez um dia mudem de ideias. O que é que se há-de fazer… Vou para lá agora. Como todos os dias. A praça, verdade seja dita, já teve melhores dias. Toda a gente me falava, diziam: “olha a Gini, como vai?”, as pessoas eram mais próximas. Hoje em dia, com os delinquentes e com mais essas miudezas que não têm nome, as pessoas passam umas pelas outras e nem ai nem ui.

(Quando chega à Praça, senta-se no seu banco do costume e observa à sua volta. Repara nas pessoas que se aproximam da fonte para ver os peixes e sente-se indignada por ninguém reparar nela. Não sabe ler nem escrever, mas como se sente sozinha, leva jornais e revistas para ver as imagens. Passa os dias a observar a vida da Praça.)


Cena 4
(Sem narrativa, som de fundo.)
 (Pela penumbra da madrugada, D. Gini decide ir à Praça matar os peixes com lixívia. A câmara capta apenas o frasco a ser entornado para dentro da fonte e o movimento que a própria senhora faz à volta fonte para espalhar o produto, certificando-se assim que os peixes morrem de certeza. Não deixa quaisquer provas à vista. Põe o frasco no caixote do lixo subtilmente e vai-se embora. A cena escurece.)

Cena 5
(No mesmo dia, de manhã, o Sr. Simões passa pela Praça.)
Sr. Simões – (Voz off) Hoje de manhã era aqui um cheiro a lixívia que não se podia… Alguém matou os peixes. Coitaditos… As pessoas vão sentir muita falta, principalmente as crianças… Não sei quem é que possa ter feito uma coisa destas, só mesmo por maldade.

(Mais tarde, D. Gini chega à Praça e vai para o seu banco. Tem um lenço manchado de lixívia que apenas a câmara capta. Inicia o seu monólogo conclusivo.)
D. Gini –Não me canso de fazer este caminho todos os dias. É melhor do que ficar em casa entre 4 paredes. Enquanto posso faço-o e sempre me distraio. Não o faço para ver o que há de novo. Todos os dias vejo o mesmo. As pessoas com quem me cruzo podem ser diferentes todos os dias, mas vou conhecendo-as a todas. Agora o cenário é sempre o mesmo: agitado, alegre, simpático. Faço este percurso, pela energia à minha volta. Sinto-me acompanhada. Sempre me entretenho a observar os outros.

(A cena escurece lentamente. Termina.)



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