Guião
para Filme
David
Santos
Kevin
Ferreira
Leonor
Carvalho
Patrícia
Quitéria
Bairro de São Bento
Cena 1
(Fundo
negro, apenas com o som da água a correr por trás. Lentamente surge a imagem da
água ondulada da fonte. Veem-se reflexos dos de edifícios em volta, os objetos
que existem dentro da fonte e os peixes. Narrativa em voz off.)
Nós -
“Chego. Escolho um banco e sento-me. É me indiferente qual, mas para aqueles
que estão cá todos os dias a ver o tempo passar, o sítio é sempre o mesmo.
Reparo nos seus rostos, que estão cá desde cedo, inexpressivos, estáticos e
pensativos. Na verdade, esta é uma Praça igual às outras: algumas crianças,
muitos velhos, canteiros, bancos, árvores, uma fonte igual à dos outros
bairros. Não percebo porque é que já várias pessoas passaram por ela, só para
olhar lá para dentro. Já tinha reparado nisso das outras vezes, mas nunca me
tinha interrogado. Pensei que seriam apenas moedas. A curiosidade é maior. Levanto-me
do banco e vou espreitar. Eu sou apenas um visitante, e reparei nos 3
pequeninos peixes que andam de um lado para o outro. São minúsculos…. Diria
quase insignificantes. Mas são o centro das atenções e a alegria da Praça.
Gente de todas as idades aproxima-se para os procurar. Acham-lhes piada.
Estranho, nunca tinha reparado neles antes.”
(Termina
com a imagem do repuxo, ampliando para a Vista geral da Praça. Vê-se o banco de
jardim vazio da D. Gini, bem como as outras pessoas que frequentam o espaço. D.
Gini ainda não chegou à Praça.)
(Início
do monólogo no banco de jardim. O olhar começa no chão, em direção aos pés da
senhora e a partir daí, captando outros apontamentos do corpo que sugerem a sua
presença.)
D. Gini –
Venho cá todos os dias de manhã. Gosto de vir para este banco. Já gostei mais,
agora isto está mudado. Dantes não vinham cá tantas pessoas de fora. Agora vêm
cá, passam pela fonte e vão se embora. Já eu fico cá de manhã e depois a seguir
ao almoço venho para a Praça outra vez.
À tarde, aparece aí o Sr. Simões que se senta naquele
banco ali da frente. Mas eu, modéstia à parte, sou a pessoa que fica cá mais
tempo. Enquanto os outros passam pela fonte e vão-se embora. Vejo muita coisa
durante o dia, enquanto os outros só veem os peixes.
Cena
2
(Surgem
pessoas a interagir com a fonte (molham as mãos, refrescam-se e as crianças
brincam com a água) e a procurar os peixes. A câmara capta outras pessoas
presentes na praça e que comentam a vida do bairro, referindo-se à D. Gini. A
sua presença é sugerida do mesmo modo que a da D. Gini: apontamentos do corpo.)
Sr. Simões –
Isto agora está bom é para os reformados… Amigos da velha guarda! Gosto muito
de vir à Praça. É um local de encontro do pessoal mais idoso. Normalmente,
venho sempre para este banco, porque os pombos não vêm muito para esta árvore.
É preciso ter cuidado com eles, nunca se sabe… Esta praça já teve melhores
dias, dantes havia uns bancos de pedra que agora estão nas janelas verdes. Mas
estes de madeira também não são maus. É um espaço bem frequentado. Passo cá
muito tempo e gosto.
Aquela senhora ali da frente, passa cá mais tempo que
eu, muito calada… Mas eu não tenho a vida dela. Vem para a Praça toda
empertigada…. Até o nariz chega às folhas das árvores… Ela senta-se aí, não faz
mais nada, às vezes olha tanto para as pessoas que passam, que até deve querer
que olhem para ela… Enquanto não tenho ninguém para conversar, ponho-me a ler o
jornal. Há aí muitos espalhados pelos bancos de manhã. É isso ou ver os peixes
dentro da fonte. É o que também dá vida à Praça. E são bonitos! Existem uns
amarelos, muito engraçados. Toda a gente que aqui passa, lhes acha piada.
Cena
3
(D.
Gini faz o seu percurso desde a sua casa no Pátio até à Praça das Flores. No
Pátio dá-se especial atenção à pintura dos peixes que os seus vizinhos fizeram
à entrada. Vai descrevendo o ambiente, as lojas, as pessoas, etc, à medida que
vai subindo.)
D. Gini – Moro
aqui há muitos anos com o meu marido. É um Pátio simpático. Faz este ano 100
anos… Conheço bem os meus vizinhos, damos-mos todos bem aqui. / Um dia eles
decidiram fazer esta pintura na parede com peixes… Podiam ter pintado uma coisa
mais bonita. Já não me bastava aqueles que estão na Praça, agora tenho de ver
isto todos os dias.
Hoje, existe muita gente que quer vir para cá viver ou
abrir um negócio. O que está a dar por aqui são os cafés. Dantes eram mais as
tabernas mas isto agora mudou… e temos os cafés para os chiques. Essa gente
fina que pensa que é importante… e acham-se mais do que as pessoas que vivem cá
desde sempre. Os deputados também sobem e descem muito esta rua. Esses ainda
são os únicos que falam a uma pessoa, não tivessem eles o interesse de parecer
simpáticos.
Os peixes são animais que não são para ser vistos. São
alimento. As garoupas e o robalos esses interessam, mas nem toda a gente pensa
assim. Talvez um dia mudem de ideias. O que é que se há-de fazer… Vou para lá
agora. Como todos os dias. A praça, verdade seja dita, já teve melhores dias. Toda
a gente me falava, diziam: “olha a Gini, como vai?”, as pessoas eram mais
próximas. Hoje em dia, com os delinquentes e com mais essas miudezas que não
têm nome, as pessoas passam umas pelas outras e nem ai nem ui.
(Quando
chega à Praça, senta-se no seu banco do costume e observa à sua volta. Repara
nas pessoas que se aproximam da fonte para ver os peixes e sente-se indignada
por ninguém reparar nela. Não sabe ler nem escrever, mas como se sente sozinha,
leva jornais e revistas para ver as imagens. Passa os dias a observar a vida da
Praça.)
Cena
4
(Sem
narrativa, som de fundo.)
(Pela penumbra da madrugada, D. Gini decide ir
à Praça matar os peixes com lixívia. A câmara capta apenas o frasco a ser
entornado para dentro da fonte e o movimento que a própria senhora faz à volta
fonte para espalhar o produto, certificando-se assim que os peixes morrem de
certeza. Não deixa quaisquer provas à vista. Põe o frasco no caixote do lixo
subtilmente e vai-se embora. A cena escurece.)
Cena
5
(No
mesmo dia, de manhã, o Sr. Simões passa pela Praça.)
Sr. Simões –
(Voz off) Hoje de manhã era aqui um cheiro a lixívia que não se podia… Alguém
matou os peixes. Coitaditos… As pessoas vão sentir muita falta, principalmente
as crianças… Não sei quem é que possa ter feito uma coisa destas, só mesmo por
maldade.
(Mais
tarde, D. Gini chega à Praça e vai para o seu banco. Tem um lenço manchado de
lixívia que apenas a câmara capta. Inicia o seu monólogo conclusivo.)
D. Gini –Não
me canso de fazer este caminho todos os dias. É melhor do que ficar em casa
entre 4 paredes. Enquanto posso faço-o e sempre me distraio. Não o faço para
ver o que há de novo. Todos os dias vejo o mesmo. As pessoas com quem me cruzo
podem ser diferentes todos os dias, mas vou conhecendo-as a todas. Agora o
cenário é sempre o mesmo: agitado, alegre, simpático. Faço este percurso, pela
energia à minha volta. Sinto-me acompanhada. Sempre me entretenho a observar os
outros.
(A
cena escurece lentamente. Termina.)
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